China aperta o controle enquanto a sociedade… relaxa
País restringe espaços LGBTQIA+ mesmo com apoio popular crescendoSer LGBTQIA+ na China hoje é, no mínimo, uma experiência paradoxal — como descreve Chen (nome fictício), 26 anos, que se define como uma mulher gay vivendo “entre dois mundos”: um Estado que prefere não falar do assunto e uma sociedade que, de modo curioso, parece cada vez menos preocupada com a orientação sexual alheia.
Chen anda de mãos dadas com a namorada nas ruas sem grandes reações. Segundo ela, a maioria das pessoas simplesmente não liga — desde que, claro, “não seja meu filho ou minha filha”. Uma tolerância prática, ainda que limitada, que contrasta com o endurecimento do controle estatal.
Nos últimos meses, Pequim intensificou a vigilância e a censura direcionada à comunidade LGBTQIA+. O episódio mais recente foi o banimento dos dois principais aplicativos de relacionamento usados pelo grupo, o Blued e o Finka. A Apple confirmou que apenas seguiu as ordens da Administração do Ciberespaço da China (CAC).
É um movimento que se soma à já antiga proibição do Grindr e ao encolhimento progressivo de espaços físicos e digitais onde pessoas LGBTQIA+ costumavam se conectar. Hashtags no Weibo, como “Eu sou homossexual” ou “Les”, desapareceram mais rápido do que debates que poderiam gerar.
O Estado, questionado pela Folha, disse desconhecer o assunto — resposta que, ironicamente, dialoga bem com a política de “não falar sobre” adotada há anos. Enquanto isso, professores como Bao Hongwei, da Universidade de Nottingham, apontam que a repressão faz parte de uma agenda maior de controle de espaços digitais considerados “não alinhados”.
Nos bastidores dessa onda de censura, o governo também vem apagando conteúdos críticos ao regime sob a justificativa de combater “emoções negativas”. Em uma única ação, mais de 16 mil postagens e 1.200 contas foram suspensas por supostamente espalhar rumores sobre economia, finanças e bem-estar social.
Mas, do lado de fora dos gabinetes, a população chinesa mostra outra postura. Pesquisa do Williams Institute, de 2024, ouviu quase 3.000 cidadãos e constatou que 91% acreditam que pessoas LGBTQIA+ devem ser aceitas. Além disso, 87% afirmam não se importar em ver conteúdo LGBTQIA+ nas redes.
A Human Rights Watch confirma a contradição: cresce o apoio público, mas cresce também o fechamento de espaços LGBTQIA+. E, para complicar, surge um discurso nacionalista que classifica essas identidades como “importações ocidentais”, ignorando séculos de história queer dentro da própria China.
No fim das contas, o país segue equilibrando — ou tentando equilibrar — dois movimentos opostos: um Estado que prefere reduzir visibilidade e uma sociedade que, aos poucos, demonstra que convivência e respeito talvez não precisem de tanto controle assim.
Fonte: Revista40graus, mídia, redes sociais e colaboradores
