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Impeachment em série: Congresso testa até onde vai a coleira presidencial

Em nome da “responsabilização”, Senado flerta com a ideia de manter presidentes sempre sob ameaça

Em defesa da democracia plena — aquela em que o voto popular deveria encerrar disputas eleitorais — o Senado resolveu discutir exatamente o contrário. Parlamentares avaliam mudar o entendimento sobre impeachment para permitir que um presidente reeleito responda por supostos crimes de responsabilidade cometidos no mandato anterior. Traduzindo do juridiquês para o português claro: mesmo eleito de novo, o presidente seguiria no cargo como quem governa com a mala pronta.

Foto: Reprodução | Edilson Rodrigues/Agência SenadoPlenário do Senado
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Hoje, a lei é omissa, mas o entendimento político e jurídico dominante é simples: cada mandato é um mandato. Foi esse o critério adotado no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, quando fatos do mandato anterior foram convenientemente deixados de fora para não comprometer a “formalidade” do processo — ainda que o resultado político já estivesse decidido.

Agora, a ideia é atualizar o cardápio institucional: eleições continuam valendo, mas não muito. Se aprovada, a mudança permitirá que o Congresso revisite governos passados sempre que o presente desagradar. Um tipo de “flashback jurídico” permanente, perfeito para manter qualquer presidente refém do humor parlamentar.

A proposta está no projeto da nova lei do impeachment, relatado pelo senador Weverton Rocha (PDT-MA), que acolheu sugestão do senador Paulo Paim (PT-RS). O texto diz, sem rodeios, que um presidente reeleito poderá ser responsabilizado por atos do mandato anterior. Em outras palavras: o eleitor até escolhe, mas o Congresso confirma — ou não.

Desde a redemocratização, poucos presidentes passaram pela reeleição. Mesmo assim, o Congresso parece decidido a tratar o instituto como um detalhe menor, quase decorativo. Afinal, se o povo insiste em reconduzir alguém ao cargo, sempre resta a alternativa do impeachment como ferramenta de “correção democrática”.

O argumento dos defensores da mudança é nobre no papel: evitar que crimes “se apaguem da história” com o fim de um mandato. O detalhe incômodo é que, no presidencialismo brasileiro, a principal punição por crime de responsabilidade é justamente a perda do cargo. Ou seja, o impeachment deixa de ser exceção extrema e passa a funcionar como espada pendurada sobre o Planalto.

Curiosamente, o mesmo projeto tenta parecer responsável ao elevar de um terço para dois terços o número de parlamentares necessários para recorrer contra o arquivamento de pedidos de impeachment, sob o argumento de evitar “retaliação política”. Uma cautela seletiva: protege o sistema do excesso de pedidos, mas amplia o alcance do instrumento.

No fundo, o debate expõe uma velha tentação do Congresso Nacional: governar sem disputar eleição direta. Ao manter o presidente permanentemente vulnerável e outras autoridades como ministros do STF, Procurador Geral, Comandantes Militares e o Parlamento amplia seu poder de pressão, negociação e chantagem institucional — tudo dentro da mais rigorosa “normalidade democrática”.

A democracia plena, aquela em que o voto popular encerra o debate até a próxima eleição, agradece o lembrete: no Brasil, ganhar nas urnas ainda não garante governar em paz.

Fonte: Revista40graus, Senado, mídias e colaboradores

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